Depois de adulta, comecei a perceber coisas que, na infância, me traumatizaram profundamente. Eu não sabia que poderia ser filha de uma mãe com essa "síndrome", mas foi impossível não me identificar ao ler os depoimentos de outras filhas. Em cada relato, sentia um frio no peito, como se as palavras tivessem sido escritas por mim.
Tudo o que me incomodava eu a questionava, e percebia que, por baixo do olhar de coitada e do "eu fiz o que pude", se escondia um tom de esnobe. No início, eu aceitava essa desculpa. Afinal, todos fazemos o que está ao nosso alcance. Mas, com o tempo, comecei a me questionar: "Ela era jovem quando me teve, mas qual a desculpa agora? Ela ainda não aprendeu a ser uma boa mãe?". Os anos se passaram, e a postura dela continuava a mesma. Foi então que descobri que o vitimismo, as desculpas e a imutabilidade do comportamento eram parte do narcisismo.
Minhas lembranças de infância são vagas e pontuais, mas em cada fase, o sentimento de abandono e solidão me cercava. As mulheres da minha família eram vaidosas, mas eu raramente me maquiava ou usava um batom. Não era por desleixo, mas porque nunca fui ensinada. Toda vez que ligava o secador, era um ralho. Para sair, o convite "se arrume" vinha sem tempo hábil, e eu acabava optando por sair de qualquer jeito ou ficar em casa sozinha. Enquanto ela desfilava com bolsas, roupas e joias novas, eu só ganhava algo no meu aniversário, presente dos convidados.
Ela era a minha voz em todos os lugares, do consultório médico aos encontros de família, e hoje tenho pânico de ter atenção e falar com outras pessoas. Descobri, recentemente, que essa necessidade de controle é uma das características do narcisismo. Lembro-me claramente de uma vez, reunida com meus primos, que rimos de algo de forma espontânea. Ela me advertiu para não rir alto, uma atitude hipócrita, já que ela mesma ria da mesma forma. Depois desse episódio, sinto que é realmente difícil ter uma risada sincera.
Minha adolescência foi marcada por um estresse constante. Eu era responsável por ajudar nas tarefas domésticas, e sua compulsão por limpeza me tornou paranoica por manter tudo organizado. O que realmente me irritava, no entanto, era a sua necessidade de me chamar para pegar algo para ela, de onde eu estivesse, mesmo quando eu estava estudando, dizendo: "Pega tal coisa pra mim". Isso, muitas vezes, a poucos centímetros de onde ela estava sentada, me fazendo buscar bem mais longe do que a sua distância do objeto se ela esticasse um pouco o corpo. Hoje, não suporto quando alguém me chama pelo nome; parece que a pessoa vai me pedir um favor e a cena se repete na minha mente.
Enquanto minhas amigas tinham lembranças de mães meigas, acolhedoras e amigas, eu tinha uma mãe ausente, manipuladora e que me diminuía com frequência. Cheguei a questionar se era adotada, pois essa ideia era frequentemente associada, em filmes, a crianças não amadas.
Ela sempre me convida para sua casa, mas estou exausta de passar por isso. Ela parece amorosa, mas sempre me causa dor. Há alguns dias, em um almoço, ela começou a dizer ao meu marido que eu tinha o quarto desorganizado e que vivia trancada para ninguém ver a bagunça. Eu não sei de onde tirei coragem, mas a desmenti na frente dele, revelando que quem era assim era meu irmão, o filho predileto. Ela ficou pasma: "É mesmo? Não lembrava disso".
No Dia das Mães, estávamos na praia e vimos um chá revelação. Ela se virou para minha tia e prima e soltou: "Se eu tivesse outro filho, ia querer fazer assim". Acontece que eu e meu marido tentamos engravidar há mais de dois anos, e ela já retirou o útero. Esse não foi um desejo de ser mãe, mas um insulto enorme. Pensei que tudo que já tinha passado não tinha como piorar.
Somente depois de adulta, e principalmente depois de encontrar meu marido, comecei a entender o que é sentir amor e felicidade de verdade. Dia após dia, com paciência, ele me ajuda a derrubar as barreiras que minha mãe construiu na minha mente. A minha vida toda, eu nunca me sentia totalmente à vontade em casa, porque ela vivia me lembrando que era 'a casa dela'. Hoje, meu marido precisa me lembrar constantemente: "É claro que você pode relaxar, amor. Esta é a sua casa".
Mesmo com toda a dor e o desgaste, o que me resta é um amor confuso por ela. E o vazio de pensar em não a ter em minha vida. A ideia da sua ausência final, da morte, me assombra, mas já sinto o luto pela nossa relação que nunca existiu de fato. Eu a amo, mesmo que ela seja assim. No entanto, aprendi que, para cuidar da minha própria paz e sanidade, o distanciamento é a minha forma de me proteger. É a única maneira de me manter de pé. E, infelizmente, essa é a única forma de amor que posso me dar.
Se você, que está lendo esta crônica, se identificou com a minha história, saiba que você não está sozinha. A dor que você carrega é real, mas o amor-próprio e a esperança são ainda mais fortes. Mesmo que as feridas pareçam profundas, a cura é um caminho possível. Honre a sua história, abrace a filha que você se tornou, e saiba que você merece uma vida de paz, de alegria e de um amor que não machuca. Que a sua jornada seja de descobertas e de um futuro onde a sua felicidade é a prioridade.
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