Quero compartilhar algo que guardei por muito tempo. Pela primeira vez, falo abertamente sobre um aspecto muito particular da minha vida. Muitas pessoas ao meu redor, até mesmo familiares, nunca souberam disso. É uma parte de mim que, sem ser explicada, seria impossível de ser compreendida. Mas hoje, aqui no blog, decidi compartilhar com vocês.
Desde que nasci, percebo o mundo sob uma perspectiva singular, diferente da maioria das pessoas. Na infância, essa particularidade passava despercebida para mim; só na vida adulta me dei conta de que minha forma de enxergar era única. Quando minha mãe estava grávida de mim, ela contraiu rubéola, uma infecção viral que, no meu caso, resultou em uma má-formação e catarata congênita no olho direito, me fazendo enxergar borrado com esse olho ― como na imagem principal do post. Essa era a minha realidade visual, um véu sutil, mas constante, sobre metade do meu campo de visão, que redefinia minha interação com o espaço de formas que eu demoraria a decifrar.
Foi com o avanço da tecnologia 3D que, de repente, tudo ficou visualmente claro: eu simplesmente não conseguia ver o mundo com ambos os olhos da mesma forma. Aquela foi a ficha que caiu, revelando o motivo de eu não ter noção espacial – essa ausência de uma visão binocular completa significava que meu cérebro não recebia as duas perspectivas ligeiramente diferentes que permitem a outros calcular a profundidade com precisão. Como minha visão 'boa' se tornou praticamente a principal, meu cérebro passou a enxergar aquele espaço como se fosse o 'total', ignorando todo um campo oculto (o lado direito). Isso transformou gestos simples como pegar um objeto ou desviar de um obstáculo em um desafio constante.
A tomada de consciência sobre a minha visão singular não ocorreu de forma repentina. Primeiramente, enquanto jogava um videogame com meu irmão, notei que, com ou sem óculos 3D, a imagem que eu via permanecia confusa, como se uma camada visual se sobrepusesse à outra. Inicialmente, atribuí a falha ao aparelho ou aos óculos, questionando sua qualidade. No entanto, a verdadeira epifania, carregada de frustração, veio anos depois, ao assistir à animação 'Como Treinar o Seu Dragão' no cinema, em 3D. Para minha surpresa e desapontamento, assistir com ou sem os óculos especiais produzia exatamente a mesma imagem distorcida. Naquele momento, a verdade se impôs: eu simplesmente não conseguia ver o '3D' da forma como era projetado e percebido pela maioria.
Essa condição visual impactou diretamente minha experiência social, especialmente na infância. Desde criança, nutria uma grande paixão por esportes, vibrando com a energia dos jogos e a camaradagem das equipes. No entanto, a falta de noção espacial imposta pela minha visão singular me tornava, involuntariamente, uma companheira de equipe muito aquém do ideal. A dinâmica era clara e dolorosa: os mais habilidosos eram sempre os primeiros escolhidos, e eu invariavelmente sobrava para o final, o 'resto'. Essa experiência repetida, somada à minha dificuldade em processar o mundo visualmente da mesma forma que os outros, construiu um muro sutil que me distanciava, resultando em poucos amigos durante a jornada escolar, um isolamento que perdurou até a formatura.
Curiosamente, mesmo antes de notar essa diferença visual, eu já sentia um desejo intrínseco de ser diferente. Sempre busquei um caminho alternativo: se a maioria ia para a direita, eu tendia a ir para a esquerda. Quando a clareza sobre minha condição visual veio à tona, compreendi a raiz dessa minha inclinação e das minhas escolhas. Minha 'distinção' não era uma falha, mas um convite intrínseco a buscar caminhos menos óbvios, a questionar o que era 'o normal' e a encontrar beleza nas perspectivas que o meu próprio olhar oferecia. Era a minha forma inata de navegar por um mundo que eu percebia de maneira distinta.
Essa necessidade de compensar a falta de profundidade visual desenvolveu em mim uma habilidade singular de visualização espacial. Tenho uma facilidade notável em imaginar objetos em 3D. Por exemplo, na época em que estudava técnico em edificações e precisava fazer vistorias prediais, bastava-me observar duas faces de uma casa para já conseguir visualizar mentalmente o layout completo dos cômodos restantes, o que agilizava imensamente meu trabalho. Ao criar uma arte, da mesma forma, primeiro vejo o resultado final em minha mente, construindo o passo a passo de trás para frente, antes mesmo de tocar em qualquer ferramenta. Essa é a minha maneira de 'ver' em 3D, e assim construo a profundidade que me falta com a lógica e a imaginação.
Hoje, olhando para trás e refletindo sobre tudo isso, percebo o quanto essa característica me fortaleceu. Comecei a abraçar a ideia de que ser diferente é, na verdade, uma coisa boa, algo que nos torna especiais. Essa jornada de autodescoberta me ensinou a mais valiosa das lições: que a força mais autêntica reside na nossa capacidade de transformar aquilo que nos torna únicos em nossa maior vantagem. Por isso, mesmo que não seja por uma condição de saúde, mesmo que você se considere "normal", encontre em você algo para se destacar dos outros e celebre essa sua singularidade. A felicidade muitas vezes reside em aceitar e amar aquilo que nos torna únicos.
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