Olá Leitores!
Para iniciar o ano com energia positiva vamos conhecer a história da Dama da Noite. Um tema atual e pouco abordado, pouco se sabe, mas muito se julga. Uma história de luta e superação para nos inflar a auto estima e nos dar força para começar esse novo ano!
Dama da noite
Patrick Sousa
Baseado em uma história real
Acordava às três da tarde todos os dias. Dormia durante o dia e me sujeitava a uma subvida à noite. Os riscos eram constantes. Viver da prostituição em uma cidade grande como São Paulo, não é nada fácil, ainda mais para uma travesti. Antes de continuar essa história, deixem-me apresentar: me chamo Lígia Braga, tenho 30 anos, sou travesti e vivo da prostituição desde os 15. Reconheço que, graças a essa vida perigosa e arriscada, conquistei meu carro – uma Eco Esporte do ano, preto, meu apartamento de 100 metros quadrados no Morumbi, bairro nobre de São Paulo, coloquei minhas próteses de silicone na bunda e nos seios e montei meu corpo através de várias cirurgias plásticas para a feminilização. Vim de uma cidade pequena, com pouco mais de 2 mil habitantes, no interior do Piauí, em 1995. Na época, eu ainda era apenas um jovem gay e inexperiente, embriagado com as oportunidades de sexo fácil e de bofes escândalos.
― Viadinho sem peito não vinga, tem que se bombar. ― disse Stella, uma travesti de meia idade, loira e muito bonita, segurando uma Prada na mão direita e ostentando um Rommanel em um dos dedos da mão esquerda. ― Se quiser, mona, te ensino tudo! Sei aonde tem uma bombadeira ótima.
Stella me levou a casa de outra travesti ainda mais velha que ela. Dandara, que aparentava ter 60 anos, ainda tinha marcas que a identificavam de longe que se tratava de um homem. O corpo largo e pesado, exibia seios mal colocados de um silicone industrial que desceu até os pés, deixando-os inchados. A casa de Dandara era simples, porém, bem limpa e organizada. Os móveis eram de extremo bom gosto.
― É ela, a bicha que te falei. Ela não cobra caro. ― disse Stella, me mostrando Dandara.
― Vou cobrar apenas R$ 2.000,00. ― falou Dandara sorridente.
― Eu não tenho esse dinheiro agora! ― falei no automático, diante do susto que tomei.
― Se vira, se quer ser feminina, ou se bomba e se entope de hormônio, ou então vai continuar sendo um simples viadinho pra sempre.
― Eu quero me bombar, sim, mas no momento não sei como pagar.
― Ué, paga como todas pagam. Dandara também é cafetina de moninhas novinhas que nem você. Ela vai te bombar e você assume a dívida, entendeu? – falou Stella com voz firme, quase nervosa.
― Me prostituir? ― quase gritei com a indagação. Não tenho nada contra com essa profissão, só não me enquadrava nela.
― Viado burro, ninguém dá emprego a travesti não. Esse é seu único caminho, se quiser ter uma vida quase digna e pagar tuas contas. ― resmungou Dandara, pegando uma enorme e grossa seringa. ― Você vai ficar belíssima e ganhar muito dinheiro, confia em mim. Logo logo paga essa continha e vai enricar. Você tá tomando seus hormônios em dias? ― perguntou Dandara.
― Sim. Uma dose cavalar de Perlutan todas as noites. ― respondi. Meus seios já despontavam como pequenos limões, minha voz estava bem fina e meus pelos pararam de crescer. Já me sentia uma mulher.
Dandara se aproximou com a seringa cheia de um liquido viscoso e transparente que lembrava detergente neutro, mas na verdade era silicone industrial. Muitas travestis, ainda hoje, em nome da beleza e da feminilidade, fazem uso do silicone industrial, pois é mais barato e prático para aplicar, mas eu não recomendo. É muito perigoso. Tive sorte, o meu não desceu para nenhuma parte do meu corpo.
― Deita de bruços aqui. – ela apontou para uma cama suja. ― Aguente firme, vai doer um pouco. ― e enfiou com vontade a seringa em meus seios e nos glúteos.
A princípio senti muita dor, mas Stella me deu uma dose de Xilocaína e amenizou o incômodo. Percebi de imediato meus tão sonhados peitos e bunda grandes, como se eles sempre estivessem lá.
― Amanhã você já pode ir pra rua atender as mariconas. Cobre caro, você é linda. ― falou Stella sorridente.
E fui. A partir desse dia, comecei a ir pra esquina da rua Leopoldo Prudente, todas as noites, e ganhei muito dinheiro. Saía com os mais diversos tipos de clientes, desde homens casados, novinhos, mulheres e até outras travestis. Era mais ativa na cama. Na rua é assim, ou a mona come ou passa fome. Com duas semanas de esquina, paguei a dívida com Dandara, dei um “agrado” a Stella e aluguei meu cantinho.
Os anos se passaram, tive sorte, não nego, até hoje o silicone não me afetou nem me desmontou. Não me arrependo dessa vida que levei, pois foi por meio dela que deu meu sustento e consegui meu marido. Hoje sou casada com um ex cliente que sempre saía comigo. O nome dele é Paulo. O bofe é escândalo. Tem só 20 aninhos, um bebê, praticamente. Dou de tudo a ele. Estamos felizes. Nos casamos ano passado numa igreja inclusiva, ele é empresário e eu, atualmente, sou cabelereira. Abri um salão moderno no Shopping Morumbi. Não tenho mais contato com nenhum parente. Nem mesmo minha mãe. Foram cruéis demais comigo, me espancavam, me expulsaram de casa. Acho que eles sentem remorso, mas não estou nem aí para os sentimentos deles. Ainda cheguei a mandar cem mil reais em um envelope, pelo Sedex, para minha mãe. Espero que ela tenha feito um bom proveito.
Patrick Álisson de Sousa, nasceu em Picos-PI, em 22/12/1993. É graduado em Letras/Português, pela UESPI. Teve três contos publicados em antologias diferentes, na Andross Editora, e esse ano, 2017, teve seu primeiro romance solo publicado pela Editora Gramma, intitulado Segredos de família. Sousa é um eterno apaixonado pela literatura e um defensor ferrenho de um mundo mais justo e igualitário.
Segue contatos: patrickasousa2015@gmail.com
89 999070718 (Whats|)
89 994649710.
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