Doce Espera: diário da mamãe e do bebê

[Contos de Halloween] O Ritual por Leonardo Amorim AN

Olá Leitores!!

A Semana do Halloween está quase acabando, e estamos chegando no dia de Halloween, o que estão achando dos Contos de Halloween? Comentem :) 



A gota de sangue que se desprendeu do dedo de Karen viajou preguiçosamente até pintar de vermelho uma pequena parte do interior da abóbora. O sangue explodiu ao se chocar com a superfície alaranjada, desfazendo-se em gotas menores, que repetiram o processo até que uma pequena mancha rubra estivesse formada. Karen, que levantava para ir ao banheiro tratar o ferimento, nada disso viu. E nada disso veria.

“ Que foi, Ka?”, perguntou Júlia, correndo atrás da amiga.

“Cortei meu dedo. Porra!”, bradou Karen quando a água gelada da torneira deslizou sobre a ferida recém-aberta, “Eu devia mandar aquele merda fazer isso.”

“O Denis esculpindo uma abóbora?”, perguntou Júlia, rindo, “Ele ia terminar sem um braço.”

Karen apenas riu enquanto terminava de limpar a ferida. Denis era um rapaz de diversas qualidades. Ela lembrou-se do dia em que saíram pela primeira vez. Eles foram ao cinema assistir um filme de terror do qual ela não lembrava o nome. Ele percebeu que ela estava com medo e a envolveu em seus braços, como se criasse um círculo de proteção à sua volta. Funcionou, pois ela esqueceu-se do filme e aconchegou-se no peito dele, ouvindo o coração acelerar rapidamente.

“Karen? Alô?”. 

Foi puxada de volta à realidade pela voz de Júlia.

“Oi. Desculpa” respondeu, sentindo o rosto arder. Devia estar parecendo um pimentão.

“Você vai afogar a ferida, desse jeito. Coloca um curativo nisso logo.”

Karen pegou um Band-Aid e spray antisséptico no armário do banheiro, borrifou o medicamento na ferida e a cobriu com o curativo. Voltou para a sala massageando levemente o dedo machucado sobre o curativo, com Júlia em seu encalço.

“Você vai continuar?”, perguntou Júlia, perfurando-a com aqueles olhos castanhos escuros.

“Sim. Sei que parece besteira... Na verdade também acho que seja besteira, mas o Denis quer que nossa primeira vez seja especial”, disse Karen enquanto pegava a faca no chão e voltava ao trabalho, “ Não é à toa que ele escolheu a noite de Halloween. Ele disse que está preparando uma surpresa.”

Júlia riu em resposta.

“Que foi?”, perguntou Karen, parando de esculpir e olhando para a amiga.

“Quem vai ter a surpresa é ele.”

“Como assim?”, indagou Karen, corando novamente e voltando a olhar para a abóbora.

“Ele não sabe que essa vai ser sua primeira vez, não é?”

Karen ignorou a pergunta de Júlia e voltou a esculpir. Voltou, na verdade a fingir que estava esculpindo, pois tinha um diálogo interno. Denis não fazia ideia de que ela era virgem. Ela não sabia bem porque, mas havia decidido não contar para ele. Talvez fosse o medo de parecer menos... Adulta. Ele era apenas dois anos mais velho que ela, mas já estava no segundo ano de faculdade, morava sozinho, tinha um emprego e um carro. Ela estava finalizando o ensino médio, morava com os pais, não trabalhava e ainda não tinha idade suficiente para ter sua habilitação. Ele não parecia ser o tipo de cara que se importaria em sair com uma virgem, mas mesmo assim, não era o tipo de informação crucial para a relação.

“Ai meu Deus, odeio quando você viaja assim.”

Foi puxada dos devaneios pela voz de Júlia novamente.

“Não sei, Ju... Simplesmente não falei isso para ele. E não faz sentido tocar no assunto agora.”

“E você acha que ele não vai perceber?”, perguntou Júlia, fuzilando Karen com o olhar.

“Eu me viro.”

“Olha, amiga, não sei, viu? Eu acho o Denis meio estranho. As roupas que ele usa, as pessoas com quem ele anda, as músicas que ele ouve, os livros que ele lê... Eu já o vi com um tal de Necronicon. Depois fui...”

“Necronomicon.”

“Você sabe os nomes!”, bradou Júlia, levantando-se de repente, “Amiga, é um livro de magia negra!”

“Ai, Ju, esquece isso. E daí que ele gosta dessas coisas? Você já viu que ele é um fofo, me trata super bem e parece gostar de mim de verdade.”

Júlia não respondeu, apenas fez uma expressão que deixava claro que ela não tinha mais argumentos. Karen sorriu, tentando tranquilizar a amiga.

“Olha, eu só me preocupo com você”, disse Júlia, “Me prometa que se ele fizer alguma porralouquice você vai cair fora.”

“Prometo.”, respondeu Karen, rindo.

Voltou a esculpir a abóbora, que estava quase finalizada agora. 

“Se ele te sacrificar num ritual hoje à noite, não venha me assombrar depois.”

As duas caíram na risada.

💀💀💀

Estava um pouco atrasada, mas nada que preocupasse. Karen estava parada na porta do apartamento de Denis, abóbora em mãos. Ele havia chamado um Uber para ela, pois estava ocupado preparando a tal surpresa. Ela estava muito intrigada com isso.

Tocou a campainha. O zumbido que veio de dentro do apartamento incomodou seus ouvidos. Logo a porta estava sendo aberta. 

“Oi, linda”, disse Denis, abrindo um sorriso.

“Oi, gato”, respondeu Karen, dando um selinho nele. Ele a segurou e envolveu num beijo demorado.

“Agora sim”, disse ele, com um sorriso malicioso no canto da boca.

“Então, qual a surpresa?”, Karen perguntou, devolvendo o sorriso.

Ele indicou o caminho, apontando para a porta de um dos quartos do apartamento. Ela começou a andar e ele a seguiu. No caminho, notou que o lugar tinha uma decoração peculiar. Alguns pôsteres de bandas de metal enfeitavam as paredes, junto com símbolos místicos. Uma estante, que cobria uma parede inteira da sala, estava lotada de livros e estatuetas de monstros. Notou algo que achava ser um altar próximo à estante, onde um crânio de bode descansava. Sentiu a adrenalina percorrer seu corpo quando viu o crânio. Dênis percebeu seu nervosismo.

“Calma, é só decoração”, disse, num tom tranquilizante. 

Karen conseguiu apenas dar um risinho nervoso em resposta. Continuou caminhando apreensiva, imaginando se ia encontrar uma criança acorrentada para ser usada como sacrifício no quarto. Ela concordava com Júlia: Denis era meio estranho, mas isso era parte do charme dele. Achava que ele era só mais um nerd que jogava RPG e deixava seus gostos transparecerem no seu comportamento e nas suas roupas. Inofensivo. Tal crença estava começando a ser substituída por medo.

Obrigou-se a entrar no quarto, respirando aliviada quando viu que não havia nenhuma criança acorrentada ali. Pelo menos até seus olhos se acostumarem à leve penumbra que inundava o quarto. Notou que havia apenas um móvel ali: um pequeno pedestal onde um livro repousava em cima. Além disso, apenas um colchão no chão. Abaixo e ao redor dele, um símbolo estranho envolto por um círculo estava desenhado no chão. Velas acesas – as únicas fontes de luz do cômodo – encontravam-se posicionadas ao redor do símbolo. 

“Que porra é essa, Denis?”, perguntou, afastando-se da porta.

“Relaxa, Ka. É só role play.”, Denis respondeu.

“Que caralho de role play é esse? Você tá maluco?”

“Desculpa, Ka. Não queria te assustar”, ele disse, levantando as mãos em sinal de paz, “Olha, se você não tiver afim a gente pode ir pra sala ver um filme ou até sair. Que tal? Eu só pensei em aproveitar que hoje é Halloween pra fazermos algo especial.”

Ela notou que a expressão dele transmitia um arrependimento genuíno. Ele tinha seus gostos estranhos, mas sempre colocava o conforto dela em primeiro lugar. Após a primeira vez que saíram ele nunca mais havia sugerido filmes de terror para assistirem juntos. Talvez aquilo tivesse sido mesmo um pouco demais, mas, após o susto inicial, ela não achava que ele tinha más intenções. 

“Porra, você podia pelo menos ter sondado pra ver se eu ia gostar da ideia.”

“Desculpa, de verdade”, ele disse, envolvendo-a em seus braços e beijando seu pescoço, coisa que sabia que ela adorava, “Eu me empolguei com a ideia e esqueci que você não gosta dessas coisas.”

Era difícil se concentrar em uma resposta enquanto ele beijava seu pescoço, então ela apenas se deixou levar pelo momento. Logo, estava pressionada contra a parede enquanto ele a beijava com vontade, como se sua vida dependesse disso. 

“Então”, ela disse, ofegante, quando ele deu uma brecha, “Qual sua ideia?”

Ele pegou a abóbora das mãos dela e acenou com a cabeça para que ela entrasse no quarto. Ela o fez e ele entrou em seguida, depositando a abóbora ao lado do colchão. Começou a beijá-la novamente e a deitou, tirando as roupas vagarosamente. Quando estavam completamente nus, ele se levantou.

“Que foi?”, ela perguntou, ainda mais ofegante.

“Isso faz parte da brincadeira, então não se assusta, tá?”, ele respondeu da forma mais tranquilizadora que conseguiu.

“Que merda você vai fazer agora?”, Karen perguntou, fazendo uma expressão divertida.

“Vou invocar um espírito que vai me possuir e te dar a melhor noite de sexo da sua vida, gata”, ele respondeu, dando uma piscada ao final da frase.

Karen apenas sorriu de forma maliciosa, dando uma mordida leve no lábio inferior.

Denis fechou os olhos e começou a recitar palavras que ela não conseguia entender. Enquanto ele o fazia, ela admirava o corpo dele. Principalmente o membro. Era grande, mas nada assustador, como via em filmes pornô na calada da noite. Perfeito para quem teria sua primeira vez dali a poucos minutos. 

De repente notou que não conseguia mais vê-los. As velas haviam se apagado.

“Denis, não sei como você fez isso, mas você conseguiu me deixar assustada”, ela disse, apreensiva.

“Quê?”, ele perguntou, “Ué, como as velas apagaram?”

“Isso não tem mais graça”, ela disse, pegando suas roupas e levantando-se.

“Calma, Ka, eu não fiz isso. Deve ter passado uma corren...”

Denis foi interrompido por um baque que fez os dois pularem de susto. A porta havia se fechado.

“Denis, se você não parar com isso agora eu nunca mais olho na sua cara!”, explodiu Karen.

“Não, não, não, não”, ele repetia. Ela ouviu os passos dele ecoando pelo quarto enquanto ele ia até a porta. Ouviu as tentativas inúteis de abri-la. Estava trancada.

“Denis, o que tá acontecendo?!”, gritou Karen.

Notou que a temperatura estava caindo. Rápido.

“Não era para isso acontecer, o ritual não está completo!”, ele falava mais para si mesmo do que para ela.

“Ritual?! De que porra você tá falando?”

“Eu recitei as palavras de um ritual para invocar um demônio, mas os componentes não estão completos!”, ele disse, com as mãos na cabeça, “O que tá acontecendo?”

“Como assim, componentes? Me explica o que tá acontecendo, porra!”

“O símbolo, as velas, o encantamento, tá tudo certo, mas eu deixei o sangue de virgem de fora justamente para não dar merda!”

De repente, as velas acenderam. As luzes bruxuleantes revelaram um vulto onde antes estava a abóbora. As sombras atrás do vulto dançavam conforme a música tocada pelas chamas. Aquela foi a última visão que Denis e Karen tiveram.

Os gritos que os vizinhos ouviram aquela noite, no entanto, vão ecoar para sempre naquele quarto.

Leonardo Amorim é professor de inglês, Game Designer e escritor de suspense e terror, tendo publicado contos em antologias da Andross Editora e com mais um conto programado para ser publicado pela Luva Editora.


Comentários

  1. Uau, você escreve muito bem, Leonardo. Eu estava imaginando o quarto cheio de caveiras e símbolos e a cara de medo desses dois pobres coitados kkkk. Aterrorizante.
    Parabéns pelo conto.

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    Respostas
    1. Sim!! Imagina só hahaha Halloween sem clima para romance kkk

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    2. Nossa, agradeço muito, Glecio. De verdade. =]

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  2. Velho, adorei esse!!! Parabéns, Léo!!!

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