[Contos de Halloween] Cidade das Máscaras por Glecio Ramos AN

Olá letoires!

Prontos para mais um Conto de Halloween? Bora lá com meu amigo do Wattpad, Glecio, o qual tive o prazer de betar 😍.


"Essas são oficialmente as piores férias da minha vida," sussurro para o meu reflexo no retrovisor. Bem, só posso culpar a mim mesmo por não ter feito a revisão do carro antes de sair. Agora estou aqui, perdido no meio do nada e sem transporte.

A bateria do meu celular também parece estar participando desse complô do universo contra mim, porque ela simplesmente desapareceu.

"Estava pela metade há cinco minutos" resmungo, encarando a tela preta na minha mão. Jogo o aparelho no banco de trás e saio do carro. O céu alaranjado me avisa que logo vai anoitecer. É melhor eu procurar alguém com um telefone para chamar um guincho e conseguir um desses hotéis de beira de estrada.

"Vamos lá, Marcos. Não era isso que você queria? Uma aventura?" pergunto a mim mesmo. Tiro do porta-luvas um antiquado mapa de papel e o abro sobre o capô. "Muito bem, onde estou?" Escorrego o dedo pelas estradas que percorri nos últimos quatro dias e me encontro perto de uma cidadezinha chamada Santa Amélia, que nunca ouvi falar. Felizmente não é longe, terei que voltar apenas um quilômetro e meio. Achei estranho não ter visto nenhuma placa, talvez estivesse escondida pelo mato alto que margeia o caminho.

Pego minha mochila e tranco o carro. Começo minha caminhada, xingando a mim mesmo por ter aceitado o conselho de Fabiana para fazer essa viajem sem sentido. Ainda posso ouvir a voz irritante dela na minha cabeça: "Você precisa de férias, Marcos. Está trabalhando demais." Há essa hora eu estaria deixando o escritório e voltando para casa. Jogaria no sofá e me perderia em horas de maratonas de séries. Mas estou aqui, caminhando feito um retirante.

Chego a tal cidade arfando e suando feito um porco. Talvez eu compre uma esteira quando voltar, ou me faço mais frequente na academia do condomínio. Ignorando meu cansaço, observo que as ruas estão vazias. Não vazias de pouca gente, vazias de vazias mesmo. Desertas. Já está escurecendo e eu imagino que as pessoas daqui se recolham cedo. Cidade pequena, nada para fazer, é normal não encontrar ninguém na rua. Não é?

Normal ou não, aquilo me deixa assustado. Os postes de madeira começam a se acender e iluminar o asfalto esburacado com o tom amarelo das lâmpadas incandescentes, criando um clima de cidade abandonada que me deixa nervoso. Algumas piscam e outras nem acendem.

Aperto o passo e olho por cima do ombro, talvez esperando ver um cara sinistro vestido de preto com um machado nas mãos. Mas só vejo a rua deserta que deixei para trás.

"Acho que estou vendo filmes demais," digo, tentando me acalmar.

As casas por aqui são pequenas, com telhados de barro e pintura desbotada pelo sol forte. O que me deixa mais apreensivo é o fato de que estão todas no escuro. Não vejo sequer um filete de vazando pelas frestas das janelas, os únicos pontos para escapar da escuridão são os círculos amarelos debaixo dos postes, e nem mesmo estes são confiáveis.

Depois de caminhar por quinze minutos, finalmente encontro o que parece ser um hotel. As letras descascando pintadas na parede diziam apenas POUSADA. Eu praticamente corro até a entrada, torcendo para ter alguém que possa me ajudar. Mas não há ninguém.

"Olá?" Tento controlar o medo em minha voz. Que lugar era aquele tão deserto? "Tem alguém aí? Eu preciso de um telefone," grito, me inclinando sobre o balcão. Ninguém aparece e eu começo a achar que entrei em uma cidade abandonada.

É nesse momento que escuto o canto, vindo de longe acompanhado o vento. Era o barulho de várias vozes entoando uma canção tétrica, como aquelas procissões religiosas. Apesar do tom assustador que dominava meus ouvidos, fiquei mais calmo. Eu não via ninguém na rua porque todos estavam em alguma reunião religiosa ou coisa do tipo.

Saio do hotel e procuro a direção do som. E à medida que me aproximo do que parece ser uma pracinha, vejo dezenas de pessoas segurando lamparinas e velas, todas de costas para mim, olhando para o mesmo lugar no centro da praça. Os lamentos agora são mais altos e sob o fraco bruxulear do fogo das velas não sou capaz de distinguir as pessoas.

Aproximo-me, hesitante em interromper a celebração ou lamentação daquela gente estranha, mas eu preciso de um telefone para ficar bem longe dali. Durmo no carro se for preciso.

Cutuco de leve o ombro de um senhor inclinado para frente na retaguarda da multidão. "Senhor, com licença. Sabe onde posso fazer uma ligação?" Sua voz deixa de acompanhar o lamento para se virar para mim. É aí que as coisas acontecem, tudo em câmera lenta aos meus olhos. Enquanto o homem se vira, eu vejo duas mãos erguer um machado por cima da multidão atenta e então descê-lo rápido e preciso. Consigo ver algo vermelho respingar para o alto, as gotículas terminando sua viajem sobre as pessoas mais próximas do centro.

Quando volto a atentar para o homem à minha frente, vejo apenas a cabeça de um bode cobrindo seu rosto. Não como uma máscara barata de borracha, era a cabeça de bode de verdade costurada em uma bizarra cobertura. Eu conseguia ver os detalhes do pelo do animal e os olhos esbugalhados ainda úmidos. Por instinto, dou pulo para trás, a melodia para e todos se viram para mim. Agora alertado pela adrenalina, percebo que todos ali tem suas versões de máscaras macabras. Alguns com cabeças de porcos, cães e mais bodes.

No centro da praça, vejo um palanque de madeira e sobre ele o dono das mãos que seguravam o machado. Era um homem de peito desnudo salpicado de sangue, a cabeça de boi que cobria seu rosto era a mais assustadora. Desço os olhos para ver o que ele acabara de cortar e no mesmo momento arrependo-me. Em um cesto de vime, uma cabeça humana descansa com uma expressão de terror congelada em sua face morta.

"Santo Deus!" exclamo e me viro para correr. Ainda consigo ver o homem com a cabeça de boi apontar para mim e falar algo abafado pela máscara sinistra. Não me viro para ver se alguém está me seguindo, mas ouço centenas de pés arrastando-se em minha direção e as pessoas voltarem a cantar a melodia fúnebre que gela minha espinha.

Meu cansaço de outrora desaparece com a vontade de sobrevier e eu disparo pelas ruas mal iluminadas. Meu coração parece querer arrancar minhas costelas fora para bater além do meu peito, mas eu não paro. Passo pela pousada que agora está às escuras e sigo em frente, com o máximo de atenção que consigo reunir no caminho. A última coisa que quero é me perder em uma cidade povoada por assassinos malucos. 

Quando já estou longe da praça, atrevo-me a olhar por sobre o ombro. As lamparinas e velas pontilham a escuridão que deixei para trás como pequenos vaga-lumes parados no ar. Volto a acelerar a corrida, decidindo que não estou longe o bastante daquela multidão sádica.

Acho que corri desesperado pela metade do caminho de volta para o carro, a outra metade eu devo ter me arrastado pelo asfalto, porém não parei nem por um segundo. Atrapalho-me para pescar as chaves no meu bolso e por um momento, quando não as encontro, penso tê-las perdido no caminho. Seria a gota d'água. Mas elas estão lá.

Destravo a porta e me tranco lá dentro, isolando-me do frio da noite e do cricrilar dos grilos. A estrada está um breu aterrador e a todo o momento eu olho pelo retrovisor, esperando ver uma multidão de cabeças de animais segurando suas velas e entoando a aquela canção maldita, que ainda ecoa na minha cabeça.

Minhas mãos suadas levam a chave até o contato e eu rezo baixo para que o carro ligue. Nunca fui do tipo religioso, não sou leitor da bíblia ou frequentador da igreja - nem mesmo aos domingos -, mas, como Fabiana gosta de falar: Nunca é tarde para começar. Hoje me parece um ótimo dia para isso.

Giro a chave e o motor reclama, uma, duas, três vezes e nada. Na minha decidida quarta vez, o painel se ascende e os faróis dão sinal de vida. O ronco do motor soa como a melhor das melodias. 

Eu acelero dando uma última olhada no espelho. Apenas a estrada escura e vazia. Pelo jeito aqueles cultistas estavam mais preocupados com seu ritual de sacrifício do que o turista babaca que quase acabou com a cabeça fazendo companhia para o cara do cesto. Não sei por que, mas acredito que aquele pobre coitado vai acabar virando a próxima máscara de um deles.

Disparo pela pista a toda velocidade, afastando-me daquele lugar esquecido por Deus para nunca mais voltar.


"Chega de férias, Fabiana."

Glecio Ramos tem 24 anos, é escritor amador, aficionado por fantasia e ficção científica e adora se aventurar por mundos estranhos e tecnológicos. Mas também passeia por outros gêneros como terror e suspense. Desenha como hobby e às vezes é até pago por um deles. Atualmente publica seus devaneios literários no Wattpad e preza pela opinião dos leitores.

Wattpad @GlecioRamos



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4 Comentários

  1. Uhuul \o/
    Muito obrigado, Aline. É um honra ter um texto meu no seu blog. Bjosss.

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    1. Eu que agradeço Glecio, por disponibilizar seu texto. Beijosss querido.

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  2. Adorei!!!! Parabéns Glecio!!! Bem macabro.

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    1. Quando li a primeira vez parecia narradora de jogo de futebol "vai não rapaz", "sai dai pelamordedeus" "cooorre homii" "sebos nas canelas" hahaha minha cara de assustada era a melhor (tem um espelho atras da minha mesa)

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